Author(s): Frade, Sofia
Date: 2012
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10451/8208
Origin: Repositório da Universidade de Lisboa
Subject(s): Teses de doutoramento - 2012
Author(s): Frade, Sofia
Date: 2012
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10451/8208
Origin: Repositório da Universidade de Lisboa
Subject(s): Teses de doutoramento - 2012
Tese de doutoramento, Cultura Grega, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2012
A utilização do termo propaganda em relação ao mundo antigo é problemática e normalmente não sistemática. Há uma tendência, particularmente acentuada na área da filologia, de evitar o uso do termo. No entanto, há elementos que nos levam a considerar relevante a observação dos dados relativos à ideologia Ateniense de acordo com o modelo de estudos de propaganda. Esta tese pretende pedir emprestado às ciências sociais um modelo de análise de propaganda, normalmente aplicado ao estudo de fenómenos políticos contemporâneos e aplicá-lo ao mundo antigo. Tomamos como exemplo o Heracles de Euripides associando-o ao uso da figura do herói em Atenas quer em termos de iconografia, quer em termos de culto. Heracles era o maior e mais relevante herói grego. Embora fosse alvo de culto como herói em várias cidades, nenhuma jamais reclamou a sua exclusividade. Heracles era por definição um herói de toda a Grécia. Assim, quando Atenas, depois das invasões persas, se coloca à frente da Liga de Delos e tenta obter uma posição de proeminência entre as cidades gregas, Heracles é usado como símbolo desse Pan-helenismo a que Atenas se procura elevar. Heracles tem um lugar de destaque na religião ateniense. O seu culto está presente com altares espalhados por toda a região da Ática. O culto do herói é tão forte que se diz ter sido em Maratona que pela primeira vez o herói recebeu culto como deus. No entanto, o seu papel é particularmente relevante em Eleusis. Diz o mito que Heracles foi recebido em Eleusis e adoptado como Ateniense de forma a poder participar nos mistérios. O rito purificador a que foi sujeito era considerado o persursor dos Mistérios Menores. Quando, durante o século V, o acesso de Atenas a Delfos e Olímpia se torna politicamente complicado, Atenas tenta promover Eleusis e os Mistérios de Deméter salientando o seu papel enquanto santuário pan-helénico. Nesse momento Heracles, com o seu mito de iniciação nos mistérios, torna-se símbolo dessa abertura do santuário a todo o mundo grego. A iconografia de Heracles é particularmente relevante para a imagem de Atenas. Além de ser o principal herói representado em vasos áticos, o herói tem forte presença na iconografia monumental. Logo depois da vitória sobre os Persas, Atenas prepara a construição de um tesouro em Delfos. Neste Heracles surge lado a lado com Teseu. Uma das principais funções dos tesouros nos grandes santuários era a de “nacionalizar” as ofertas privadas e Heracles tem novamente um papel fundamental a esse respeito. Tendo sido utilizado pelos na iconografia dos tiranos de Atenas e sendo um exemplo de herói aristocrático, Heracles sofre uma transformação drástica na iconografia do período da democracia. Ao surgir ao lado de Teseu e dos heróis epónimos, Heracles deixa de ser o herói individualista e arrogante que luta contra os deuses, para passar a ser o herói civilizador que luta pelo bem da comunidade. A figura de Heracles é muítissimo problemática. Em primeiro lugar é simultaneamente herói e deus. Em segundo lugar, Heracles é um herói solitário, mais ainda do que os heróis homéricos, Heracles não é chefe de nenhum exército nem lidera um grupo de homens, pelo contrário, enfrenta os mais terríveis monstros sem qualquer auxílio. Heracles é o paradigma do herói aristocrático. É o herói que enfrenta os deuses e ao mesmo tempo o herói que os salva na Gigantomaquia. Estas imagens conflituosas estão presentes ao longo de toda a literatura anterior a Euripides. Os problemas relativos a esta figura estão também particularmente presentes na peça de Eurípides. Em Heracles, o herói, ausente na primeira metade da peça, entra em cena no momento ideal para salvar a sua famíla das mãos do tirano que os ameaça. No entanto, a alegria da salvação não dura muito. Hera prepara-se para enviar a Loucura a Héracles. O herói, enlouquecido, mata a sua família pensando que está, de facto, a matar a família do seu arqui-inimigo. Voltando a si, o herói não suporta a culpa e prepara-se para cometer suicídio. Nesse momento surge Teseu que o convence a abandonar Tebas e a segui-lo para Atenas onde será purificado e receverá glórias de herói A loucura do herói, a unidade da peça e o papel dos deuses são algumas das principais questões em torno das quais têm girado os debates em torno desta peça. A leitura da peça no contexto da propaganda ateniense bem como da utilização do herói pela cidade, permite-nos oferecer novas soluções para estes problemas A peça gira em torno de uma dicotomia evidente. Por um lado o velho mundo, o mundo dos heróis aristocráticos, dos velhos deuses homéricos, por vezes incompreensíveis mas sempre presentes na acção humana; o mundo de Tebas, onde a vingança e o sangue se sucedem geração após geração. É a este mundo que a loucura pertence. É neste contexto que podemos compreender as acções de Hera, é neste mundo que a loucura de Heracles pode ser entendida como justiça divina. Mas o fim da peça vem revelar-nos um outro mundo, um novo mundo: o mundo de Atenas. Em Atenas a justiça não está associada a culpas herditárias, mas sim a um sistema judicial muito próprio. Em Atenas podemos encontrar a redenção do herói, a sua salvação. Aqui estão os novos deuses e em especial Atena. Atena que é a única divindade que em toda a peça age a favor do herói; aqui está Teseu e a esperança de um futura para Heracles. Mas a entrada em Atenas não se faz sem uma transformação: Heracles terá de deixar Tebas e o seu ideal aristocrático e oferecer a sua glória à cidade. É isto que Atenas pede à sua aristocracia, não que deixe de o ser, mas que ofereça a sua glória à cidade. É esta a história que o tesouro dos Atenienses em Delfos nos conta. É isto que Atenas pede à suas cidades aliadas. Atenas oferece, amizade, aliança e salvação, juntamente com justiça e democracia. O que pede em troca é apenas a sua própria glória. Após analisadas as diversas manifestações do herói na cidade bem como a sua relevância para a leitura da peça parece-me apropriado concluir, de facto, podemos falar de propaganda na Atenas democrática do século V. Atenas utiliza a figura de Heracles de acordo com os pârametros habitualmente seguidos na definição de propaganda. Ao mesmo tempo parece-me importante salientar que a leitura dos textos pode ser bastante enriquecida se feita à luz do seu contexto material, político e ideológico. Heracles é o herói grego por excelência. Atenas pretende ser a cidade grega por excelência e utiliza a figura do herói para manifestar e simbolizar essa vontade. Atenas faz do grande herói grego um herói ateniense, para que seja ela própria a grande cidade de toda a Grécia.
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)