Autor(es):
Leão, T ; Maia, AS ; Perelman, J ; Moreno, J ; Lucas, R ; Dimka, J ; Pereira, M ; Mamelund, SE ; Severo, M ; Fraga, S ; Amaro, J
Data: 2024
Identificador Persistente: https://hdl.handle.net/10216/157542
Origem: Repositório Aberto da Universidade do Porto
Descrição
A parentalidade, outrora aceite como uma obrigação natural, é hoje uma escolha mais autónoma. Contudo, as pressões sociais que recaem sobre mulheres e homens no momento de serem pais tornam a vivência desta experiência ainda mais desafiante. Por permanecerem enraizadas conceções tradicionais sobre a divisão do trabalho, que atribuem ao homem o papel de provedor da família e à mulher o papel de cuidadora, a parentalidade mantém-se como um acontecimento que pode acentuar desigualdades de género, nas esferas do trabalho pago e não pago. O presente Livro Branco estuda este impacto na vida profissional e pessoal dos pais e mães, assim como no seu bem-estar e, de forma a contextualizar e melhor compreender estes resultados, analisa as políticas adotadas de apoio à parentalidade, em Portugal e vários países europeus. Em Portugal, em 2021, as mulheres auferiam menos 12% do que os homens, em média, por hora. No entanto, trabalhavam mais 10 horas do que os homens por semana, menos duas horas de forma remunerada, mas mais 12 horas não remuneradas. De entre os vários países da união Europeia, Portugal era aquele onde mais mulheres despendiam mais do que quatro horas por dia em trabalho doméstico ou de assistência a crianças e onde a diferença entre o tempo despendido por mulheres e homens em trabalho não remunerado era maior. [Capítulo 1] Apesar das visões de género ainda tradicionais, nas últimas décadas, Portugal, tem vindo a reforçar o apoio à parentalidade e à igualdade de género, com licenças parentais disponíveis para ambos os pais e alargamento da oferta pública de serviços de apoio à infância. [Capítulo 2] Ainda assim, a equidade no impacto da parentalidade nos rendimentos parece ainda longe de se cumprir – em Portugal, entre 2004 e 2020, os pais experienciaram um prémio relacionado com a parentalidade de 15%, em média, enquanto, nas mães, a variação relativa do rendimento não foi significativa. Aqui, a parentalidade parece ter condicionado a transição de pais e mães para um emprego remunerado, ainda que numa pequena percentagem. Estes resultados contrastam com os observados noutros países europeus onde, na maioria, as mulheres sofreram uma penalização do rendimento. De entre os pais e mães portugueses que sentiram que o seu estado de saúde se alterou aquando da parentalidade, a maioria reportou uma transição para um estado inferior a “muito bom”, enquanto na quase totalidade dos países europeus estudados a transição foi equilibrada. [Capítulo 3] Estes desafios relacionados com a parentalidade tendem a ser mais intensos nos primeiros anos de vida das crianças. De facto, em Portugal, tanto os pais como as mães reportaram despender mais tempo em tarefas domésticas ou de apoio aos filhos quando estes têm idades menores (5 anos ou menos, comparando com os de 12 anos ou mais), mas o número de horas dedicadas ao trabalho remunerado não foi menor nem a flexibilidade de horário foi maior. O conflito entre a carga laboral e familiar evidenciou-se nas mulheres, particularmente em fases mais precoces da vida familiar. [Capítulo 4] xiii Estes resultados espelham as diferentes vivências da parentalidade. De facto, nas entrevistas realizadas a pais e mães portugueses, verificou-se que a perspetiva de género sobre os papéis e direitos das mães e pais ainda não é equitativa, com diferentes impactos na vida profissional, pessoal e no bem-estar. As mulheres continuam a assumir a maioria das responsabilidades familiares e, mesmo que mantendo a carga laboral remunerada a tempo inteiro, em Portugal, sentem que a sua progressão na carreira é limitada pela necessidade de responder a tarefas de cuidado dos filhos. Em alguns países europeus, existe maior flexibilidade do mercado de trabalho, mas são as mulheres as que reduzem a sua carga laboral remunerada, passando a trabalhar em part-time. No caso dos homens, o impacto profissional, a existir, foi no sentido de aumentar a carga laboral ou de transição para cargos mais bem remunerados. Assim, ainda que os pais reportem cansaço e menor disponibilidade para exercício físico ou alimentação saudável, são as mulheres as que mais reportam ansiedade e sensação de culpa. Este diferencial sentiu-se também na pandemia de COVID-19, durante a qual as mulheres reportaram uma sobrecarga de trabalho remunerado e não remunerado, o que não ocorreu com alguns homens, que evidenciaram a possibilidade de passar tempo de qualidade com os filhos enquanto estiveram em teletrabalho. [Capítulo 5] Estas diferentes perspetivas de género sobre papéis e direitos de pais e mães poderão contribuir para o diferencial no acesso e utilização de medidas de apoio à parentalidade. A utilização das medidas maioritariamente pelas mães espelha, primeiramente, a crença de que este é um direito da mãe, expressada por pais e mães, evidenciada em contextos laborais e em serviços de apoio social. Assim, mesmo em países mais progressistas, as perspetivas mais tradicionais de género podem influenciar o acesso dos pais às licenças de parentalidade, a dispensa para aleitação ou a outras medidas de flexibilização do trabalho. Em segundo lugar, o desconhecimento dos homens da possibilidade de acesso a algumas das medidas de apoio à parentalidade pode contribuir para o seu menor usufruto. [Capítulo 5] Tendo em conta estes resultados, este livro branco enuncia cinco recomendações. Primeiramente, urge promover a discussão de papéis e direitos das mulheres e dos homens, no meio escolar, laboral e na sociedade. Em segundo lugar, porque as medidas adotadas em Portugal, se implementadas na sua completude, têm potencial para reduzir as desigualdades de género na parentalidade, e porque se evidenciou o desconhecimento de alguns pais e mães quanto à sua existência e finalidade, importa disseminar informação sobre as medidas que existem e assegurar que ambos os progenitores, independentemente do género, as conseguem acionar. Por fim, poderá ser pertinente promover uma discussão alargada sobre as medidas que melhoram o bem-estar da família e dos trabalhadores e reduzem as desigualdades de género e monitorizar e avaliar a utilização e o efeito destas medidas, de forma a informar as alterações necessárias para otimizar a sua efetividade no que concerne à redução do impacto das desigualdades no rendimento, percurso profissional e no bem-estar dos pais e mães. [Capítulo 6]