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Using cell culture of endemic freshwater fish to study the effects of temperature on plasticity

Author(s): Santos, Catarina Antunes dos

Date: 2025

Persistent ID: http://hdl.handle.net/10400.5/99748

Origin: Repositório da Universidade de Lisboa

Subject(s): Squalius; Plasticidade; Expressão génica; Temperatura; Hibridação; Teses de mestrado - 2025


Description

À medida que os efeitos das alterações climáticas se agravam, cada vez mais se torna impossível ignorar as suas consequências ao estudar ambientes selvagens e as suas espécies endémicas, sobretudo quando se trata de habitats de água doce. Os rios e os seus afluentes por todo o planeta representam um hotspot de biodiversidade de todas as classes de organismos, incluindo peixes, muitas das quais estão presentemente ameaçadas pelos efeitos de eventos como a subida de temperatura das águas, a destruição de habitats, as invasões de espécies exóticas ou as secas. Assim, estas espécies de peixes tornam-se vulneráveis a eventos de extinção, caso não consigam lidar com as alterações climáticas de modo a manter as suas populações estáveis. Uma vez que migrar para ambientes mais favoráveis é muitas vezes impossível, para contrariar este declínio e assegurar a sua sobrevivência e reprodução, os organismos podem responder ativamente através de mecanismos de plasticidade fenotípica ou adaptar-se aos novos ambientes (evolução). No entanto, as alterações no genoma de uma espécie, partindo de mutações e respetiva ação de seleção natural de forma a levar à adaptação da mesma ao novo ambiente, é um mecanismo que ocorre ao longo de várias gerações e que poderá não dar uma resposta suficientemente rápida para contrariar o efeito de uma alteração ambiental repentina. Nesses casos, a plasticidade, ou seja, a capacidade de produzir variados fenótipos a partir de um único genótipo, pode representar uma alternativa que assegure que um determinado organismo consiga lidar com uma mudança no seu habitat. Um exemplo de sistema adequado a estudar os efeitos da plasticidade fenotípica são as espécies de peixes de água doce do género Squalius. Várias espécies pertencentes a este género habitam a Península Ibérica, incluindo S. carolitertii no norte e S. pyrenaicus no centro. Apesar da atual distribuição destas espécies não se sobrepor, sabe-se que espécies deste género hibridizam entre si, o que pode levar a introgressão de genes de uma espécie para outra. As diversas populações de cada espécie estão sujeitas aos efeitos de um gradiente latitudinal (norte-sul) no que toca ao tipo de habitat: os ambientes a norte experienciam temperaturas mais baixas e ecossistemas mais estáveis, enquanto mais a sul as temperaturas são mais altas e os ecossistemas mais instáveis e sujeitos a eventos extremos como secas. Deste modo, é de esperar que os organismos que vivem em rios com temperatura e regimes intermitentes distintos exibam variações no tipo de genes que expressam e na intensidade desta expressão. Neste projeto, foram obtidos espécimes de três populações: S. carolitertii do norte (Rio Pego) e do centro-norte (Rio Ceira), e S. pyrenaicus do centro (Rio Maior - Alcobertas). A partir da barbatana dorsal destes animais, foram iniciadas culturas de linhas celulares de fibroblastos, que foram depois submetidas a condições térmicas que simularam uma onda de calor: cinco dias a 32ºC, por oposição às condições controlo a 20ºC. A realização deste trabalho usando linhas celulares em substituição dos organismos vivos pretendia não só minimizar o sofrimento animal, mas também possibilitar submeter o mesmo genoma a duas condições térmicas diferentes. Após o período experimental, foi extraído DNA e RNA das células, para análises de Whole Genome Sequencing (WGS) e RNA-Seq, respetivamente, que permitisse comparar genomas e transcriptomas não só entre regimes experimentais, mas também entre populações. Apesar de não ter sido encontrado um padrão significativo no que toca ao crescimento celular na comparação deste parâmetro entre populações, a observação microscópica das células em cultura permitiu detetar diferenças no número de grânulos de stress em volta do núcleo a 32ºC: existe uma maior quantidade de grânulos nas células da população a norte, que decresce até à população a sul exibir apenas um número negligenciável de grânulos. Análises de WGS permitiram perceber que, genomicamente, a população de S. carolitertii que habita o Rio Ceira é mais semelhante à população de S. pyrenaicus de Alcobertas do que à população de S. carolitertii do Rio Pego, apesar de pertencerem a espécies diferentes. Este resultado é corroborado por análises de coeficientes de ancestralidade individual, que demonstram que S. carolitertii do Ceira possui uma maior contribuição (~85%) semelhante à encontrada em Alcobertas, e apenas ~15% de contribuição semelhante à outra população de S. carolitertii (Pego). Além disso, as duas populações de S. carolitertii apresentam estimativas de diferenciação genómica superiores às encontradas entre S. carolitertii do Ceira e S. pyrenaicus. A população do Ceira foi também a que demonstrou maiores valores de heterozigosidade (diversidade genética). A informação recolhida do transcriptoma das células permitiu comprovar o efeito da temperatura nos genes expressos. Foram encontrados mais de mil genes expressos diferencialmente entre temperaturas em todas as populações. No entanto, existem diferenças de expressão entre as três localizações, mostrando que a influência da temperatura não é totalmente uniforme entre elas, nem entre os indivíduos de cada uma. Todavia, um total de 56 genes foram diferencialmente expressos em todos os indivíduos de todas as populações. A percentagem de genes e exões diferencialmente expressos foi semelhante em todas as populações, apesar de S. carolitertii do Ceira apresentar mais genes diferencialmente expressos únicos e também o maior número de genes sub-expressos. A análise das funções representadas pelos genes diferencialmente expressos revelou que a função mais prevalente era de ligação (‘binding’), indicando a importância de interações entre proteínas ou de proteínas com outros ligandos. Além disso, foram encontradas funções em comum entre todas as populações, e entre Ceira e Pego, e Ceira e Alcobertas, mas não entre Pego e Alcobertas. Foram ainda construídas quatro listas de proteínas relacionadas com a temperatura, incluído listas de Heat-Shock Proteins (HSPs) e proteínas com elas relacionadas, obtidas de outros trabalhos anteriores ou de informação disponibilizadas na Uniprot, cuja informação foi cruzada com os genes diferencialmente expressos encontrados neste projeto. Todas as populações expressaram uma diferente combinação de HSPs, sendo que as populações do Pego e Alcobertas expressaram o maior número. Os resultados obtidos na análise genómica deste trabalho apontam para a possibilidade da ocorrência de um evento de introgressão passada entre as duas espécies em estudo, que terá originado a população do Ceira. O facto de esta população ser também aquela que apresenta a mais elevada variabilidade genética pode também ser resultado dessa introgressão. Este evento de introgressão de S. pyrenaicus em S. carolitertii poderá influenciar não só os genomas dos organismos que existem no Rio Ceira, mas também os seus transcriptomas. Apesar de todas as populações terem a sua expressão génica influenciada pelo aumento de temperatura, empregando diversas combinações de HSPs e outras proteínas com funções relacionadas com a manutenção da célula em condições de stress, a população do Ceira apresenta a maior quantidade de genes sub-expressos. Isto poderá ser um sinal de que estes organismos investem numa estratégia diferente no que toca a lidar com condições térmicas adversas: ao passo que as outras populações sobre-expressam uma maior quantidade de HSPs, a população do Ceira poderá estar a usar uma estratégia de poupança de energia, reduzindo a expressão proteica apenas às proteínas estritamente necessárias, numa tentativa de poupar a maquinaria celular para outros processos e manter a célula em funcionamento normal mesmo em condições de stress. A estratégia possivelmente usada pelas outras duas populações parece ser mais bem sucedida em Alcobertas do que no Pego, uma vez que as células em cultura desta última população apresentavam o número mais elevado de grânulos de stress, indicando uma maior dificuldade destes organismos de lidar com aumentos de temperatura. Este resultado era esperado, uma vez que este rio se situa a norte da Península Ibérica e experiencia temperaturas, em média, mais reduzidas. A presença destes grânulos poderá ser explicada pela ausência de expressão da proteína hspb9, que previne a acumulação de proteínas desnaturadas na célula. Esta proteína encontrouse sobre-expressa no Ceira e em Alcobertas, sendo que os indivíduos destas populações apresentavam um número mais reduzido de grânulos. Além disso, sabe-se que a presença excessiva de HSPs na célula pode causar a deposição e agregação de proteínas in vitro. O presente trabalho não só demonstra a praticabilidade da utilização de cultura de células de peixes para estudos de transcriptoma, como também confirma que a temperatura tem efeitos significativos nas células de um organismo, obrigando a que estes ponham em prática estratégias de regulação térmica de modo a assegurar a sobrevivência da célula e a estabilidade das suas proteínas. No entanto, esta plasticidade poderá não ser suficiente para lidar com as alterações climáticas caso as temperaturas continuem a subir na natureza. As combinações de proteínas expressas nas várias populações poderá ter origem na possível passada introgressão que terá formado a população do Rio Ceira, e que terá fornecido a estes indivíduos combinações favoráveis de genes que lhes permitem combater as altas temperaturas. No entanto, mais estudos teriam de ser realizados tanto para caracterizar a introgressão na população do Ceira como para melhor compreender o tipo de proteínas presentes nos grânulos de stress e a função da plasticidade na resposta ao stress térmico.

Document Type Master thesis
Language English
Contributor(s) Repositório Científico de Acesso Aberto da ULisboa; Sousa, Vítor Martins Conde e; Rodrigues, Maria Gabriela
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