Author(s):
Krebber, Mirijam
Date: 2017
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10451/28729
Origin: Repositório da Universidade de Lisboa
Subject(s): Bairros pobres - Lisboa (Portugal); Bairros pobres - Lisboa (Portugal) - Circuitos turísticos; Turismo urbano - Lisboa (Portugal); Teses de mestrado - 2017; Domínio/Área Científica::Ciências Sociais::Ciências da Comunicação
Description
USER and PA-REDES are initiatives currently working on the reintegration of the marginalised areas of antiga Curraleira and Picheleira in central Lisbon. Through street art and the implementation of locally guided tours, these projects intended to make the neighbourhoods more accessible and forfeit the burden of territorial stigma (Wacquant, 2007). The primary motive for the launch of PA-REDES was to overcome strong nostalgia and lack of the local youth’s future prospects by encouraging active citizenship and reformulating the neighbourhood’s identity. The intention of this work is to find an alternative to slum tourism and approach a tour strategy that actively contributes to the building of active citizenship (URB ACT, n.d), rather than to consolidate a narrative that relies on poverty or destitution. The tour strategy designed throughout this work intends to ensure the development of a moving debate and idea exchange between tour guide and visitors. Reflexive tourists and slow travellers, such as the interns of Clube, are capable of questioning their own prejudices, sharing their own reflections and engaging with the local community. A tour narrative that is based on theoretical concepts of advanced marginality (Wacquant, 2007) and the right to the city (Lefebvre, 1996) will help the visitor to discuss the current situation antiga Curraleira and Picheleira face in wider global contexts and find new strategic approaches for the reintegration of segregated urban neighbourhoods. Furthermore, the tours will discuss street art as one possible way of re-appropriating an alienated urban zone and equipping it with a new personality. A comparison between the street art implementation in Quinta do Mocho and antiga Curraleira and Picheleira will demonstrate how these street art interventions can open up a dialogue about the role of public street art interventions. Future tour guides can use the thematic narrative as orientation and then connect it with their own experiences from antiga Curraleira and Picheleira. The main objective is for tour participants to get a positive image and realise the potential of this neighbourhood, so that physical and symbolical borders that currently separate the zone from central Lisbon can eventually be overcome. After the implementation of the tours, it lies in the hands of further researchers to evaluate the local tour guides, the impact of the tours, their contribution to active citizenship and their potential for starting a moving debate with tour participants.
Este estudo de caso, sobre as iniciativas públicas que decorrem neste momento na antiga Curraleira e Picheleira, tem como propósito o desenvolvimento de uma visita guiada pelas duas zonas. Inspirado pela ideia de encontrar uma forma alternativa ao slum tourism, este estudo fornece o contexto teórico e prático para a criação duma visita participativa, com a finalidade de estimular um debate sobre a reapropriação de espaços urbanos uniformes e descaracterizados. Este serve para a implementação de uma visita guiada interativa e crítica. A visita guiada, além de conter a contextualização crítica dos programas de reabilitação do bairro, proporciona fruição estética através da arte urbana implementada pelo programa PA-REDES, garantindo que o visitante adquira uma imagem positiva do potencial do bairro durante a visita. Por um lado, a arte urbana que vai ser implementada pelo projeto PA-REDES funciona como a componente lúdica e estética das visitas. Por outro lado, as obras de arte servem como âncora para as histórias e memórias mais pessoais de cada guia. Devido à ausência de conhecimento dos contextos mais pessoais dos guias e da cultura do bairro, este estudo limita-se a fazer a descrição geográfica do espaço, a análise dos motivos das iniciativas e a sua contextualização teórica. Considerando que a proposta para uma visita guiada é muito específica, propõe-se a definição cuidadosa de um público-alvo que não intimide a população local. É fundamental ter em mente que o conteúdo crítico aqui tratado se direciona a este públicoalvo que tem interesse em conhecer os “bastidores” de Lisboa e em envolver-se ativamente com a população local. Este trabalho está dividido em três capítulos principais. O primeiro capítulo aprofunda o contexto da antiga Curraleira e Picheleira em termos teóricos. A falta de identificação com os novos bairros sociais é um problema que marca não só os bairros da antiga Curraleira e Picheleira mas, de acordo com Wacquant (2007: 71), é um fenómeno que começou a tomar forma com o desaparecimento da classe operária e com a crescente desintegração do estado social (Cummins, 2016: 263). No caso concreto de Portugal, a transição rápida de “país em vias de desenvolvimento” para país membro da União Europeia não permitiu ao próprio estado social tempo suficiente para amadurecer. A rápida erradicação dos bairros de lata causou muitos protestos, atos de vandalismo e a dissolução das redes de sociabilidade e de confiança pré-existentes. Hoje em dia muitos dos bairros sociais existentes nos centros urbanos de Portugal são marcados pelo fenómeno de advanced marginality (Wacquant, 2007). Este termo caracteriza as condições de vida dos residentes de bairros sociais e a sua dificuldade em integrar-se nos acontecimentos urbanos e em exercer uma cidadania ativa (URB ACT, n.d.), bem como o seu direito à cidade (Lefebvre, 1996). Lefebvre assume que todos os cidadãos devem exercer o seu direito à cidade para alcançar uma cidade marcada por “assembleia, simultaneidade e encontro”. De acordo com Lefebvre e Harvey (2008) a cidade encontra-se atualmente em crise porque a lógica do neoliberalismo não permite a participação de todos e substitui as decisões coletivas por decisões economicistas, que garantem o poder das elites. Finalmente, as soluções que Lefebvre propõe baseiam-se na reapropriação da cidade através da arte e das festas comunitárias. Devido à ligação entre as atuais iniciativas do USER convida e do PA-REDES, tal como às propostas de reapropriação preconizadas por Lefebvre, uma referência a este autor não pode faltar no enquadramento teórico de uma visita guiada do tipo que propomos. No segundo capítulo explica-se com mais pormenor as consequências dos programas de reabilitação dos anos 90 do século XX nos bairros da antiga Curraleira e Picheleira. A integração da Picheleira nos programas de reabilitação destruiu a comunidade existente e promoveu o isolamento dos indivíduos dentro das suas casas porque a Curraleira e a Picheleira eram, historicamente, bairros divididos e rivais. Desde a implementação do Programa Especial de Reabilitação (PER) no final dos anos 90, a população local deixou de se identificar com a zona, e ficou, aparentemente “parada no tempo”. Antigamente o bairro era um bairro de lata nas margens de Lisboa, que surgiu na malha urbana numa época de industrialização e êxodo rural. Através das entrevistas a ativistas locais confirmou- se que os problemas associados à droga e à má reputação do bairro não são de forma alguma consequências do PER, mas também se concluiu que o PER não contribuiu para a solução dos problemas sociais existentes. A eliminação radical do antigo bairro de lata causou muitos outros problemas, porque não integrou a comunidade local nas tomadas de decisão. Esta dissertação argumenta que o que faz mais falta nos novos bairros verticais é a comunidade de vizinhança e o convívio nas ruas, na medida em que os baldios entre os bairros promovem o isolamento dos habitantes e as atividades ilícitas. A seguinte observação de João Queirós, um ativista no bairro, resume a nova situação dos bairros: “não só aqui na Curraleira, mas [também] noutros sítios, assisti, presenciei e ouvi (…): ‘Agora é que eu vivo numa barraca’, ou seja, agora estou isolado’” (Appendix IV: 22). Apesar de as pessoas viverem em melhores condições de higiene, agora já não se sentem responsáveis pelo bairro. A falta de “personalidade” do bairro e o anonimato da vida quotidiana explicam a extrema identificação com o passado e a nostalgia que marca mesmo a geração mais nova que nunca viveu no bairro. Seguramente uma identificação tão forte com o passado e a falta de esperança no futuro também contribuem para a propagação do circulo vicioso da pobreza e para a não participação ativa da vida pública. Apesar de serem consideradas zonas de BIP/ZIP, que obtêm fundos financeiros para a implementação de projetos comunitários para a melhoria das infraestruturas (como parques infantis ou áreas de prática de exercício físico), o problema de falta de sentido de comunidade manteve-se. A ausência de identificação dos indivíduos com o bairro explica também a falta de sucesso e o pouco uso das novas infraestruturas que foram financiadas com fundos BIP/ZIPs. Muitas destas infraestruturas encontram-se hoje em dia em estado de abandono. Antes da implementação de novas infraestruturas deveria ter sido reestabelecida uma atitude de responsabilidade dos habitantes para com o seu próprio bairro. Por isso a antiga Curraleira e Picheleira foi escolhida para ser o território pioneiro onde seriam testadas as diretivas para a cidadania ativa do USER e para a criação de um Grupo de Ação Local responsável pela sua execução. Finalmente a recente iniciativa de arte urbana, PA-REDES, lançada pelo Clube, apoia-se nos primeiros resultados atingidos pelo USER, nomeadamente, mais contacto direto com a comunidade local e parcerias entre diferentes stakeholders. Finalmente, no terceiro capítulo exploram-se os motivos da iniciativa PA-REDES em maior pormenor, através das observações feitas durante o estágio, e compara-se a iniciativa com uma outra iniciativa de arte urbana que já decorreu na Quinta do Mocho. O PA-REDES tem como principal propósito o reconstruir de uma visão poderosa para o futuro que consiga acabar com o círculo vicioso de pobreza e precariedade dentro do bairro. Graças ao acesso a documentos internos do Clube que descreviam em pormenor o processo da iniciativa, foi possível atribuir a sua implementação a uma estratégia descrita por Visconti (2010) como “Enchanting urban space via vitalizing”. A arte que virá a decorar os muros da antiga Curraleira e Picheleira não é arte profissional, mas arte com um valor principalmente simbólico, que vai contar a história do bairro, falar de momentos especiais vividos pela comunidade e tentar construir uma ponte entre passado e o presente. Quem visitar o bairro deve ter interesse em descobrir os bastidores de Lisboa e em ser confrontado com os desafios sociais da população local. Contrariamente à intervenção de arte urbana na Quinta do Mocho, em que os muros foram decorados com arte urbana profissional e por artistas internacionalmente reconhecidos, a antiga Curraleira e Picheleira não pode contar com a mesma divulgação nas redes sociais e deve trabalhar com maior intensidade na promoção das suas visitas guiadas. Por isso este trabalho propõe uma estratégia para um passeio guiado na zona, que define o slow traveller, o reflexive tourist e os próprios estagiários do Clube como sendo o público-alvo das visitas. Contrário ao slum tourism, este percurso pretende comunicar o potencial que há dentro dos bairros da antiga Curraleira e Picheleira. O enfoque temático não é a pobreza ou a miséria em si, mas a promoção das possibilidades que existem dentro do bairro. Uma seleção cuidadosa do público-alvo garante que o passeio possa ser uma fonte de inspiração para os residentes dos bairros. Eventualmente, os estagiários e os estudantes do programa europeu de mobilidade Erasmus+, que muitas vezes trabalham noutros bairros sociais semelhantes à antiga Curraleira e Picheleira, podem adaptar esta estratégia aos seus bairros. Além dum primeiro teste de exequibilidade com os estagiários do Clube, esta estratégia ainda deve ser desenvolvida e testada no campo, para aferir o seu impacto real. Devem igualmente ser feitos inquéritos para avaliar o potencial do percurso no que respeita ao envolver os visitantes e criar uma discussão real sobre a reapropriação do espaço urbano. Apesar de estes pontos permanecerem ainda em aberto, espera-se que este estudo de natureza prática seja útil para a formação dos futuros guias do Clube e que seja considerado uma mais-valia para o desenrolar do projeto.