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Preponderância do feminino na obra literária: The golden notebook: a análise como exercício de pré-tradução

Author(s): Cerqueira, Carina

Date: 2009

Persistent ID: http://hdl.handle.net/10400.22/518

Origin: Repositório Científico do Instituto Politécnico do Porto

Subject(s): Tradução especializada


Description

Curso de Mestrado em Tradução e Interpretação Especializada Orientadora: Mestre Paula Almeida

[…]Um francês é quem fala francês, e é inglês quem fala inglês (desde que seja dos Estados Unidos ou neozelandês ou indiano ou canadiano ou aviador ou corrector de câmbios).» Longe disso. Para os franceses uma nação define-se pelos seus contornos políticos, e não linguísticos. Inglês é quem é fiel ao English way of life e à democracia inglesa, seja ele inglês, galês ou japonês. Para ele, uma nação política não é uma comunidade providencial em que uma pessoa se limita a nascer, como é o caso de uma língua; é, antes, o resultado de uma união voluntária, como é o caso de um clube; podemos fazer parte dele se cumprirmos as regras do clube, ou seja, a constituição. Seremos assim definidos pela Língua que falamos? Seremos um fruto da história cultural do local onde nascemos? Seremos indivíduos independentes? E se sim, será a nível social e/ou a nível da língua que adoptamos? Ou teremos que considerar todas estas características unidas na formação da nossa identidade? Quando afirmamos que somos portugueses, que premissas nos levaram a tal conclusão? Terá sido a certidão de nascimento, a educação e a cultura que nos foram incutidas? Então porquê o fascínio pela cultura alheia? Enquanto leitores, o que queremos encontrar quando iniciamos a leitura de uma obra literária estrangeira? Ao seleccionarmos a obra, o tema, o autor, o país de origem, quereremos a adaptação cultural? Necessitamos da adaptação contextual e cultural da Língua de Partida à nossa cultura de chegada? E qual o papel da tradução, enquanto acção de transposição linguística e cultural? Se reflectirmos sobre estas questões, deparamo-nos, em primeiro lugar, com a dificuldade de definir os limites dos conceitos de Língua e Cultura. O tradutor parte dos conhecimentos linguísticos para se inteirar das características comunicativas específicas do texto em questão, mas esta comunicação não pode ser pensada sem o devido enquadramento cultural, que se concretiza em aspectos particulares: económicos, sociais, temporais, históricos e políticos. Os conceitos que o estudo do texto literário engloba requerem assim uma pesquisa mais abrangente, a completa inserção do tradutor nas diversas áreas que surgem ligadas ao texto a traduzir, implicando, por exemplo, estudar o segmento histórico em que o texto se enquadra. Por outro lado, a obra literária é identificada mediante o seu modo (lírico, narrativo, etc.) e o seu género (i.e. romance, poesia, etc.), inserida numa área especifica (como viagens, fantástico, etc.). Não é a obra literária que anseia enquanto texto apresentar-se com uma determinada definição. A forma de expressão e a forma como é apresentado o acontecimento ou evento que nela se encontra relatado indica-nos a nós, leitores, que se trata de um tipo de texto em particular, neste caso o literário. Na execução da tradução, tenta-se reproduzir no leitor da Língua de Chegada a mesma reacção que teve o leitor na Língua de Partida. Deveremos assim começar por responder a algumas questões: O que necessitamos de saber para compreendermos a obra? Do ponto de vista do tradutor, quais os elementos que não podem ficar excluídos? No caso concreto do The Golden Notebook, o trabalho inicial de pesquisa fornece ao tradutor uma série de pressuposições, ilações e conhecimentos úteis. A dissecação e a análise dos pormenores apresentados pelas personagens ao longo da história, tanto no free Women como nos notebooks, orientam o processo criativo do tradutor. Este elabora uma linha geral que caracteriza a personagem. Neste trabalho de análise, a contextualização é fundamental: para conseguirmos definir as características da personagem principal Anna Wulf, tornou-se peremptório constatar a relevância de temas culturais que explicam muitas das escolhas da autora. Temas como o comunismo, a luta feminista pela valorização da posição social da mulher ou a reflexão associada ao seu estado de divisão interna devem ser analisados à luz da época retratada. Esta obra emblemática inglesa The Golden Notebook, definida por muitos como a bíblia da luta feminina, é uma obra representativa do tumulto da época, mudança de pensamento que começa a despertar e verbalizar a importância do papel social feminino. Trata-se de um romance realista que retrata uma geração em constante mudança, referindo-se às alterações que caracterizam um segmento temporal da história social inglesa. Estas perguntas levaram a uma reflexão sobre a importância da análise da obra literária para o trabalho tradutivo. No caso específico do texto seleccionado, decidimos considerar sobretudo a personagem feminina principal, focalizando a sua personalidade dividida. Toda a obra está, aliás, focalizada nesta personagem, daí constituir o cerne deste trabalho. Contudo, para se poder proceder a esta análise, foi necessário definir o conceito de texto literário, atentando às características que fazem de um texto ser especificamente definido como literário. Dentro dos mesmos moldes, foi necessário entender o conceito de tradução literária, e a sua consequente distinção perante outros tipos de tradução. É neste aspecto que o texto literário se torna tão particular, comparativamente ao texto técnico. Apoiados nestes conceitos basilares, passámos à compreensão dos elementos textuais, extratextuais e paratextuais, enquanto enquadramento do texto em questão. Que importância adquire esta contextualização? Qual a consequência para a fluidez e coesão textual? Quais os elementos que necessitam de adaptação? Qual a relevância destes factores para a compreensão do texto? Consideramos, pois, que todos estes pontos devem ser analisados no trabalho prévio à tradução. Nesta dissertação, procurámos salientar a influência do enquadramento social, cultural e histórico no processo tradutivo, acentuando os aspectos que caracterizam as personagens e as ligações entre si. Se, enquanto leitores, pensarmos no nosso trajecto literário, claramente identificamos obras de autores estrangeiros lidas na nossa língua. Contudo, e na grande maioria da vezes, ao adquirirmos a obra não pensamos na problemática ou na existência do original, muito menos no tradutor e no seu trabalho de adaptação. Focalizamos o autor da obra, que sabemos ter uma nacionalidade estrangeira, as personagens, as cidades, porém a tarefa intermédia de adaptação cultural/tradução linguística fica inconscientemente inserida no processo, quase como uma fase invisível. Esta ligação transparente é no entanto o meio que possibilita o nosso entendimento e compreensão.

Document Type Master thesis
Language Portuguese
Contributor(s) Repositório Científico do Instituto Politécnico do Porto
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